No dia 06 de agosto de 2019, o Senador Plínio Valério, afiliado ao PSDB/AM, apresentou perante o Senado Federal Projeto de Lei nº 183/2019 (“Projeto nº 183/2019”) que propõe a regulamentação e consequentemente, a instituição do imposto sobre grandes fortunas (IGF)1.
Nesta proposta o fato gerador consiste na titularidade de patrimônio líquido de valor superior a 12 mil vezes o limite mensal de isenção do imposto de renda de pessoa física ( atualmente o valor seria em torno de R$ 23 milhões) e cuja alíquota varia de 0,5% a 1%, de acordo com o valor do patrimônio.
Mais abaixo teceremos nossas considerações acerca dos artigos trazidos neste Projeto sob a ótica jurídica e econômica, de forma a demonstrarmos que nosso escritório discorda totalmente da proposição desse Projeto e que instituição do IGF seria uma alternativa inviável.
Mas voltemos, o Projeto nº 183/2019 ficou em repouso desde 17/09/2019 enquanto aguardava designação de relator. Com o surgimento do coronavírus divulgado pela China em dezembro de 2019 e sua chegada no Brasil em fevereiro de 2020, o Senador Major Olímpio – relator do projeto – submeteu Projeto nº 183/2019 a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em 24 de março desse ano.
Importante lembrar que a competência da CAE para opinar sobre matéria tributária advém do
inciso IV do art. 99 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF). De acordo com o relatório emitido por eles a conclusão da Comissão foi2:
- Em relação à juridicidade, a matéria não encontra óbices;
- No mérito foi entendido que sistema atual de tributação progressiva da renda, por si só, não é suficiente para diminuir a concentração de riquezas hoje existente;
- O IGF seria de grande utilidade na redução da desigualdade da distribuição da riqueza nacional e na promoção da igualdade de oportunidades, por meio de uma maior progressividade do sistema tributário;
- Os que já detêm um grande patrimônio são os que estão mais bem posicionados para acumular ainda mais riqueza e que o objetivo do imposto seria de diminuir as desigualdades de riqueza e renda não advém apenas de um imperativo moral, derivado da ideia de justiça social; e
- Do ponto de vista econômico, dado o momento crítico em virtude da Pandemia do Coronavírus, e que os efeitos econômicos dela serão altíssimos, ainda de difícil mensuração, sendo fundamental e oportuna a instituição do IGF nesse momento, pois as consequências econômicas e orçamentárias geradas em virtude do combate ao coronavírus, e o reforço aos cofres públicos, em virtude da aprovação dessa lei, será de fundamental relevância.
- Proposição de duas emendas: (a) caráter temporário de dois anos de vigência do IGF e (b) dando a destinação desses recursos arrecadados para o Fundo Nacional de Saúde (FNS), o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
Posteriormente a apreciação da CAE, houve dois movimentos no Projeto nº 183/2019 solicitando urgência na sua tramitação e solicitação de tramitação conjunta com outros projetos que também versam sobre a instituição do IGF, quais sejam, PLS 315/2015, PLP 38/2020 e PLP 50/2020.
De acordo com Projeto nº 183/20193 são contribuintes do IGF: (a) as pessoas físicas domiciliadas no Brasil, (b) as pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior em relação ao patrimônio que detenham no Brasil e (c) o espólio das pessoas físicas a que se referem os itens a e b.
Em complemento ainda podemos constatar os seguintes pontos do Projeto nº 183/2019, sendo eles:
- Para cônjuges casados sob o regime da comunhão universal ou parcial de bens, o fato gerador do IGF será o patrimônio individual de cada um, e quando aplicável, a metade do valor do patrimônio comum;
- Os bens e direitos de filhos menores também estão sujeitos ao IGF;
- Determinados impostos, como IPTU, ITR, IPVA, ITBI, ITCMD dentre outros poderão ser abatidos da base de cálculo do IGF desde que sejam constantes de bens devidamente declarados na Declaração de Imposto de Renda;
- A pessoa jurídica será solidariamente responsável pelo pagamento do IGF sempre que houver indícios de que haja transferência de patrimônio com o objetivo de dissimular o verdadeiro proprietário dos bens e direitos; e
- O Poder Executivo Federal por meio de Decreto disciplinará a administração, a fiscalização, as formas e os prazos de apuração e pagamento do IGF.
Nesse momento de pandemia, e no qual a população encontra-se sensibilizada por todo o contexto vivenciado, o Senado sob o argumento de “garantir que todos paguem impostos e que aqueles que ganhem mais paguem mais, em clara homenagem ao princípio da progressividade, que representa o que há de mais moderno e justo em termos de distribuição da carga tributária”, resolveu discutir novamente a instituição do IGF.
Primeiramente cabe destacar que os poucos países que adotaram esse imposto acabaram por abolir do sistema tributário (Japão, Irlanda, Alemanha, Itália etc.), excluindo a França que ainda persiste na sua cobrança, mesmo já existindo dados que demonstrem a perda arrecadatória e a evasão de capitais do País – lembrando que sua instituição se deu no governo socialista (em 1981 e 1986).
No PLP 202-B, de 1989 que tratava da instituição do IGF, o parecer do relator do projeto aprovado pelo Senado mencionada de forma direta que em nenhum dos países que adotaram esse imposto tiveram receita apreciável para o erário – é um imposto em extinção ou proporções inexpressivas. Dificuldades técnicas e práticas, principalmente no que tange a definição e à avaliação do seria patrimônio já se torna um impasse a sua regulamentação.
Esse parecer ainda menciona que “Vários países de tecnologia fiscal avançada como a Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Austrália, depois de pesquisas profundas e inúmeros relatórios técnicos, optaram pela não-aplicação, do imposto sobre as grandes fortunas, preferindo aperfeiçoamento no imposto de renda ou impostos específicos sobre determinadas formas de patrimônio”4.
As maiores dificuldades encontradas na instituição do IGF são dificuldades administrativas, redução da poupança interna, resultado insignificante na arrecadação, planejamentos fiscais com alteração de domicílio fiscal, perda arrecadatória de outros impostos e evasão de capitais. Na prática esse imposto não se mostra benéfico em termos arrecadatórios, mas simplesmente mais um instrumento de fiscalização do patrimônio dos contribuintes.
Todos esses pontos aliados a dificuldade de se determinar e conceituar de forma precisa o que seria “grandes fortunas”, agrava ainda mais a instituição do IGF. De acordo com Sérgio Ricardo Mota5: “(…) deve haver a necessária observação por parte do legislador infraconstitucional de todo o sistema jurídico vigente no país para que se permita a delimitação da grande fortuna a ser considerada especificamente para efeitos da instituição do Imposto de Grandes Fortunas”. E justamente a falta de parametrização da definição poderia ocasionar um efeito confiscatório do imposto.
Percebam, a discussão é um ciclo sem fim. Mas a sua instituição, com certeza, é um tiro no nosso sistema tributário e econômico.
Pois bem, o Projeto nº 183/2019 ainda têm muitos desafios a ser enfrentado, e possui ritos legislativos que precisam ser cumpridos, nosso escritório está acompanhando arduamente todas as movimentações e está à disposição para quaisquer esclarecimentos.
Conte conosco no que precisar.
Atenciosamente,
LLI ADVOGADOS ASSOCIADOS
e-mail: laura.leoni@llilaw.com.br
Site: www.llilaw.com.br
1 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137929. Acessado em 07.04.2020.
2 https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8077558&ts=1585916096314&disposition=inline Acessado em 07.04.2020
3 https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7984724&ts=1585916095978&disposition=inline Acessado em 07.04.2020.
4 https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/581/r146-.06.pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acessado em 07.04.2020.
5 MOTA, Sergio Ricardo Ferreira.Imposto sobre grandes fortunas no Brasil. São Paulo: MP, 2011.